sábado, 7 de fevereiro de 2015

Late night walk

Tenho de admitir que fiquei surpreendida quando o telefone tocou. Estava quase a fazer um ano e tal que não falávamos e estava sinceramente a achar que cada um tinha seguido com a sua vida. Atendi. 
"-Estou?
-Oi. Que te parece uma caminhada pela cidade?
-Agora?
-Sim. Encontro ao pé da escola?
-Até já!"
Desliguei. 
Não sei bem o que senti naquele momento, mas foi uma mistura estranha de emoções. Peguei no casaco e lá fui até à nossa antiga escola. Estava tanto frio. Como já esperava, cheguei primeiro, mas não tive de esperar muito tempo. Cumprimentou-me com um abraço, e bem podem imaginar as saudades que eu tinha de receber um abraço assim. 
Ele começou a conversa.
"-Desculpa ter-te tirado de casa com um frio destes. Precisava mesmo de vir dar uma volta e queria alguém para me ouvir. Não sei bem porquê, mas achei que mesmo ao fim deste tempo ias ouvir. Ouves sempre, mesmo quando já ninguém quer saber."
Deviam ter visto a maneira como as palavras lhe saiam da boca. Sinta-se realmente culpado por ter deixado passar tanto tempo sem dar notícias. Mas a culpa não era só dele. 
"-Vais-me dizer que não tinhas ninguém com quem vir dar um passeio?
 -Não eras a primeira na lista, mas precisava disto."
Estava a perder-me nas palavras que ele dizia. Desta vez eu não me sentia como último recurso. Tinha a certeza que era a única pessoa com quem ele queria estar ali. Caminhámos de mãos dadas e quando o frio se tornou insuportável, entrelaçamos os braços para conseguirmos esgueirar as mãos para dentro dos bolsos. A ideia de o largar era só por si dolorosa. 
"-Não estava à espera do teu telefonema.
 -Eu sei que não. Não estava à espera de te ligar. Mas a verdade é que preciso de alguém que me dê na cabeça.
 -A sério? Não parecias gostar quando eu te dava sermões.
 -Não gosto de admitir isto, mas preciso de sermões de vez em quando."
Não sei bem quantas horas foram. Sei que conversámos sobre tudo. Sei que lhe dei os sermões que ele precisava de ouvir. Sei que estava um frio horrível. 
Acabámos a noite sentados num banco de jardim ao pé da minha casa. Ainda de braços entrelaçados e de mãos nos bolsos, com as cabeças apoiadas uma na outra. Acho que nunca tínhamos estado tão próximos durante tanto tempo. Sou terrível com as palavras, nunca sei o que hei-de dizer. 
Novamente uma mistura estranha de emoções quando ele me deixou à porta de casa. Queria dizer-lhe que foi o nosso melhor momento, mas isso ele já sabia... Em vez disso, saí-me com umas palavras atabalhoadas:
"-Ficas bem?
 -Sabes que fico. E se não ficar, posso sempre telefonar novamente amanhã.
 -Livra-te! Preciso de tempo para recuperar deste frio."
Sorrimos, 
Estava a fechar a porta quando ele disse: "Continuas a ser a única pessoa que tenta compreender o que se passa comigo...". 
Sorri. 
E fechei a porta. 
Nessa noite fui dormir com a certeza de que tinha ali um refúgio para a vida, mesmo que os meus sentimentos fossem mais fortes que os dele na maior parte dos dias. Ainda era a pessoa mais lúcida na vida dele. Ele ainda era a pessoa mais louca na minha vida. O resto era apenas resto. 

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