Não sei se sou ou se estou feliz.
Esta dúvida tem pairado na minha cabeça desde que fui estudar para Lisboa.
Sou uma pessoa diferente do que era quando deixei o secundário, e para dizer a verdade, gosto muito mais de quem sou agora. Dou por mim a pensar como era insegura, como achava importante o que os outros pensavam de mim... Agora estou segura sobre quem sou e sei o que penso. Estou feliz com a mudança. Estou feliz no geral. A vida corre-me bem. Claro que existe muita coisa que sai fora dos carris de vez em quando, mas já não me vou abaixo como sei que ia há 2 ou 3 anos. Em vez de me ir abaixo sou capaz de impulsionar felicidade. Orgulha-me dizer que são poucos os momentos em que me sinto miserável e triste.
Ainda assim, não sei se estou feliz agora porque a vida me está a correr bem, ou se sou uma pessoa verdadeiramente feliz. Talvez seja feliz... Quer dizer, porque não seria? Tenho uma família, uma casa, estou a estudar, tenho bons amigos, o dinheiro não é abundante, mas também não falta... Tenho condições para ser feliz, mas esta coisa entre estar e ser atormenta-me.
Tenho medo desta felicidade que me percorre. Não quero ficar estupidamente agarrada a uma coisa efémera que mais tarde ou mais cedo se vai embora sem avisar. Chego a ficar aterrorizada com a ideia de me agarrar à felicidade que sinto agora e de mais tarde me vir a desiludir. Acho que estou a perder momentos fantásticos da minha vida por causa deste medo parvo. Acho que estou a deixar passar oportunidades para viver a minha vida ao máximo porque tenho medo de me desiludir com fantasias da minha cabeça.
Não sei que mais me resta fazer. Quero viver os momentos todinhos, mas estou a deixá-los fugir e eles não vão voltar nunca. Estou a deixar a vida passar-me a frente dos olhos. Tenho medo. E é um medo aterrorizante!!!
Só me resta viver aos pouquinhos, um dia de cada vez, deixar andar, feliz, mas não demasiado...
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da de cadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
- Ricardo Reis -